12/07/2017

Cantábria em Porto Santo

A ilha de Porto Santo, parte de uma cadeia montanhosa submarina muito antiga, terá emergido há uns 8 milhões de anos. Relativamente plana (o Pico do Facho com 516 metros é o local mais elevado) e de clima muito seco, tem habitats que parecem pedaços de deserto. Entretanto, terá sido colonizada por espécies que se lançaram à descoberta a partir do que são hoje a Europa e a África. Traçar a história da migração destas plantas não é talvez tema de investigação que receba grande incentivo financeiro, e não conhecemos informação científica publicada sobre ela. Mas no caso particular da Saxifraga portosanctana, os botânicos Webb e Press, quando sobre ela escreveram em 1987, sugeriram que descenderia de alguma saxifraga europeia, notando as semelhanças na morfologia das flores e das folhas com a Saxifraga cuneata e com a Saxifraga trifurcata. Estas espécies ocorrem em rochedos calcários das montanhas do norte de Espanha e, em Maio, fomos visitar uma delas à Cantábria.



Saxifraga trifurcata Schrad.


Comparando as flores e as folhas da S. portosanctana com as da S. trifurcata, acredita-se que uma é um esboço da outra, que não é fortuita a parecença entre as rosetas basais, o verde da folhagem, os segmentos em garfo das folhas coriáceas, as inflorescências erectas, as pétalas brancas imbrincadas e longas.

As praias de areia fininha de origem calcária de Porto Santo poderão ter sido uma tentação para o parente europeu, mas as mudanças de latitude e clima obrigaram-no a adaptações drásticas. Nas montanhas das Astúrias, a planta, que é perene, está sujeita a geadas, chuva impenitente e meio ano de neve, tirando proveito de todo o calor solar que por sorte lhe caiba e não tolerando a sombra.



Com este perfil, não se esperaria que os exemplares migrados conseguissem sobreviver meses seguidos sob sol intenso. Refugiaram-se, portanto, nos locais da ilha mais frescos e sombrios, sobretudo em fissuras de penhascos permanentemente velados por neblina dos pontos mais altos da ilha. Tiveram ainda de abdicar da ementa puramente calcária que apreciavam na Europa, mas mantiveram a preferência por solos pobres e secos. E cumprem, como o seu antepassado, a tradição de florir entre Maio e Julho. Como muitos emigrantes, é através destes pequenos detalhes que se sentem próximos das suas origens.

1 comentário :

bea disse...

Como é que a beleza frágil brota assim da dureza da pedra é um mistério.