06/06/2015

Encontro das águas (2.ª parte)


Juncus maritimus Lam.

Entre os enigmas da língua portuguesa que mais confundem os aprendizes de naturalista avulta o sapal. Quem nunca pensou no assunto dirá prontamente que se trata de um «espaço dedicado à criação de sapos»; ou, se for um pouco mais sofisticado, um «habitat húmido ou encharcado onde se instalam colónias de sapos e de outros anfíbios». Uma reflexão mais prolongada não tardará a pôr em dúvida estas improvisadas definições. Mesmo aqueles que tenham dificuldade em distinguir entre sapos e rãs saberão que são as segundas e não tanto os primeiros que têm o hábito de viver em locais alagados. Assim, se insistirmos em caracterizar pela presença de algum batráquio aquela zona lodosa dos estuários dominada por uma vegetação halófila especializada, então deveríamos em rigor chamar-lhe ranal (ou talvez ranário) e não sapal. Mas a dúvida sistemática de novo se faz ouvir: há rãs por todo o lado, coaxando os seus cantares onde quer que haja água, e não apenas nesse lugares do litoral que apressadamente rebaptizámos como ranais. Dir-se-ia até que, se os compararmos com os comuns charcos de água doce, os sapais ou ranais não albergam, proporcionalmente à sua área, um contigente muito expressivo de tais bichos. Talvez seja melhor encolher os ombros e admitir que o nosso idioma tem razões que a razão desconhece. Ainda há nele, para nosso apaziguamento, zonas de luz onde a lógica e a semântica não estão de relações cortadas. Um juncal, por exemplo, é mesmo um lugar onde há muitos juncos, e dessa verdade fazemos prova neste texto.

O rio Coura desagua tão perto do mar, num ponto onde o rio Minho está já tão inchado de água salgada, que não será moralmente correcto defini-lo como um afluente. Aí onde se dá o encontro de três águas (dois rios e um oceano) estende-se um juncal que não é só feito de juncos, mas onde os legítimos juncos estão amplamente representados. Particularmente numerosos são os Juncus maritimus, que não são os únicos a viver em estuários mas se distinguem pela inflorescência unilateral disposta em espigas erectas (no Juncus effusus, frequente em habitats diversos e não apenas à beira-mar, as flores agrupam-se em panículas). Fotografadas precocemente, as flores do nosso junco marítimo ainda estavam a desenvolver-se, mantendo-se pudicamente fechadas. O leitor pode no entanto observar nesta foto que as flores dos juncos, embora desprovidas de pétalas de cores garridas, são bastante convencionais, com ovário, estigmas e estames bem diferenciados. Nesse aspecto — mas não nas folhas estreitas, quase lineares — os juncos demarcam-se claramente das gramíneas com que amiúde são confundidos.

Cosmopolita, como tantas vezes sucede com plantas que vivem com um pé na água, o Juncus maritimus marca presença em quase toda a costa portuguesa do Minho ao Algarve. As suas viagens por mar entre os continentes permitiram-lhe estabelecer-se também em algumas ilhas. Nos Açores, por falta de habitat conveniente, é muito raro, mas ainda assim está registado na Terceira (paul do Belo Jardim, à Praia da Vitória), em São Jorge (Fajã dos Cubres) e no Pico (juncal da baía do Castelete, nas Lajes do Pico).


Lajes do Pico: juncal com Juncus maritimus, Juncus acutus e Solidago azorica (cubres)


Lajes do Pico

1 comentário :

bea disse...

O junco tem um verde tão bonito. Prefiro o juncal ao sapal mesmo que no primeiro haja sapos ou rãs e no segundo nem por isso.